Nos autos do Resp 1742902/DF, o Superior Tribunal de Justiça proferiu importante decisão sobre os efeitos do contrato de alienação fiduciária mediante inadimplemento contratual do devedor.
No mercado empresarial são famosos os chamados contratos de rede, que são contratos que envolvem operações de crédito, nos quais o credor concede recursos financeiros ao contratante/adquirente/devedor, com vistas à aquisição de determinado em contrato de compra e venda.
Neste contexto, buscando incentivar a atividade comercial e industrial, juntamente com declínio das garantias tradicionais, surgiu na legislação brasileira a alienação fiduciária: uma forma de garantia eficiente a este tipo de operação de crédito.
Isso porque, na alienação fiduciária, o devedor transfere ao credor a propriedade do bem adquirido de terceiro até que os recursos financeiros emprestados para a compra sejam integralmente devolvidos, ocasião na qual o bem lhe será definitivamente transferido.
No entanto, caso o devedor deixe de pagar o empréstimo contratado, o credor precisa de meios eficientes para reaver o valor emprestado. Por este motivo, a alienação fiduciária permite que, nos casos de inadimplemento, o credor consolide a propriedade do bem em seu favor e promova leilão extrajudicial para vendê-lo. Importante registrar que, após a venda do bem, ressarcido ao credor o débito em aberto, o valor excedente deverá ser entregue ao devedor.
Ocorre que, nestas relações jurídicas, de modo geral, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, o qual prevê em seu art. 53 que:
“Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.”
Diante disso, diversas teses foram fixadas pelo STJ a respeito do tema, seja sob o enfoque consumerista no contexto da incorporação imobiliária ou sob o enfoque da legislação especial – e posterior – que rege a alienação fiduciária.
Em meio às teses criadas para estes casos, instaurou-se um dissenso na doutrina e na jurisprudência a respeito da regra aplicável às relações de consumo que envolvam alienação fiduciária.
Deste modo, no contexto do Resp 1742902/DF, o STJ assentou conclusão no sentido de que o inadimplemento contratual por parte do devedor nas alienações fiduciárias em garantia enseja a permissão do leilão extrajudicial do bem, sendo que o devedor não possui direito de exigir do credor a devolução dos valores pagos, podendo ter direito à devolução dos valores somente quando o lance do bem em leilão extrajudicial for maior que o valor da dívida.
Vejamos a Ementa do julgado:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL COM PACTO ADJETO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL POR DESINTERESSE EXCLUSIVO DO ADQUIRENTE. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 26 E 27 DA LEI Nº 9.514/97. NORMA ESPECIAL QUE PREVALECE SOBRE O CDC. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. "A Lei nº 9.514/1997, que instituiu a alienação fiduciária de bens imóveis, é norma especial e também posterior ao Código de Defesa do Consumidor - CDC. Em tais circunstâncias, o inadimplemento do devedor fiduciante enseja a aplicação da regra prevista nos arts. 26 e 27 da lei especial". (AgInt no REsp 1.822.750/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, j. 18/11/2019, DJe 20/11/2019). 2. Agravo interno não provido.
Portanto, quando ocorrer inadimplemento do devedor em contrato de alienação fiduciária em garantia de bens moveis e imóveis, a quitação da dívida observará a forma prevista na Lei 9.514/97, a qual, por se tratar de norma jurídica especial – e posterior, afasta a aplicação do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor.
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Gabriela Macedo Advocacia, escritório especializado em Direito Imobiliário, Condominial, Empresarial e Extrajudicial. contato@gabrielamacedo.adv.br. Instagram @falecomaadv
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Fontes:
Consultor Jurídico - https://www.conjur.com.br/2020-nov-04/gleydson-oliveira-alienação-fiduciária-código-defesa-consumidor
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